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Inês Ponce Dentinho

É bom ter a quem olhar

 

Adriano Moreira é mestre do ofício que exerceu - o Poder. Olhar e objecto desse olhar, soube casar as duas perspectivas com comunhão de bens: foi um politico favorecido pelo estudo e um professor enriquecido por um saber também de experiência feito. Soube captar os fenómenos da política com um distanciamento de observação quase estranho em relação a uma realidade mutante e demasiado próxima
do seu percurso pessoal.

Mas não se deteve no diagnóstico. Construiu, pensamento e caminho, em sintonia e consequência. Por exemplo, antes da hora, foi visionário na construção de um futuro espaço político lusófono e humanista, que sobrevivesse ao Império. Como ministro do Ultramar, aplicou o seu pensamento no Estatuto do Indígena. E como professor universitário, ainda nos anos 60, criou um período de transição no ISCSPU com a formação de elites locais ultramarinas, primeiro ligada à gestão e à diplomacia. Depois da Revolução, cumpriu o mesmo conceito, ao manter no ISCSP a linha de admissão de jovens dos Países de Língua Oficial Portuguesa com regimes especiais.

Construiu, em Portugal, uma Ciência Política de base anglo-saxónica, finalmente autónoma do Direito. Desde o início que os seus textos fogem ao academismo português que antes ligava o estudo do Poder ao Direito Constitucional. Neles, são determinantes o conceito de poder; da sede do poder; a relevância das relações internacionais e a percepção da evolução histórica.

Fê-lo com liberdade de espírito e de abordagem. Por exemplo, nas aulas detinhase com igual detalhe sobre o impacto das palavras de Maquiavel em Napoleão Bonaparte, os bastidores da Conferência de Bandung ou, ainda, a eficácia do poder do pacifismo de Ghandi. E usava a mesma fleuma quando expunha as perspectivas neo-kanteana, estruturalista ou marxista, promovendo a heterogeneidade no arco dos ensinados. Assim, os seus alunos não saíram da Universidade formatados nem mesmo formados mas, como dizia, «licenciados, com licença para estudarem sozinhos». Não há, por isso, uma escola de Adriano Moreira. Haverá, talvez, uma sequência de gerações beneficiada por uma raiz comum que lhes permite frutificar diferentemente na consciência do que permanece válido e de que todo o poder é relação.

O Professor preferia ser muito bem questionado a ser bem lido. Gostava de provocar a aprendizagem para além dos completos manuais de Ciência Política que assinava.

A aposta na geração que ali formava transmitia confiança. Parecia que tudo nos era possível, desde que o estudo fosse honesto, abrangente, inteligente.

Talvez seja interessante, para a Biblioteca de Bragança, saber que Adriano Moreira lançava, logo no primeiro dia de aulas, uma lista de livros que, depois de lidos, mais abriam horizontes do que os condicionavam. Nessa bibliografia lia-se, à cabeça, o ensaio do antropólogo Jorge Dias sobre O que É Ser Português, seguindo-se obras de Políbio, Simonne Weill ou Pierre Theilhard de Chardin. Destaque ainda para O Príncipe, de Maquiavel; A Revolta das Salamandras, de Karel Capek; L’Homme Unidimensionel, de Herbert Marcuse; A Utopia, de Thomas More; Os Nervos do Governo, de Karl Deustsch; Crime e Castigo, de Dostoievski e, já no final, o Legado Político do Ocidente, de Alexandre Bugalho, Celso Albuquerque e Adriano Moreira, entre várias revistas e dicionários de política.

Considerava que, para entender o Mundo, era importante conhecer documentos como o Tratado de Tordesilhas, a Magna Carta, o Bill of Rights, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, a Conferência de Bandung, do Movimento dos Não Alinhados o Discurso da Sala do Risco, de Oliveira Salazar, ou o Estatuto de Westminster (1931) que, entre outras matérias, estabelece iguais direitos entre territórios do Império Britânico e Reino Unido.

Homem do Poder e do Conhecimento, homem do conhecimento sobre o Poder, Adriano Moreira/professor, como um dia referi, usava a antiga técnica das parabolas para ensinar: explicava a doutrina, contava a história concreta que lhe dava corpo, mas não lhe anunciava o desfecho. Essa resposta ficou sempre entregue à liberdade esclarecida do aluno, em cada momento e lugar onde se encontre.

Investigadora