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Manuela Ramalho Eanes

Referência moral e cívica

 

Jovem universitária e militante activa da Juventude Universitária Católica, assisti a algumas conferências do Prof. Adriano Moreira que, naquela época, era, também, mais uma voz do humanismo cristão, num tempo em que Teilhard de Chardin, Jacques Maritain e Mounier eram já, para muitos de nós, referências marcantes de um pensamento novo de abertura aos grandes valores do Homem, da solidariedade e da dignidade vivida no dia-a-dia.

Memória viva guardo, ainda, da I Exposição Bibliográfica depois do Concílio Vaticano II que, a pedido das direcções das Juventudes Universitárias Católicas (JUC e JUCF), realizámos na Sociedade de Geografia de Lisboa, com total apoio e disponibilidade do seu presidente, Prof. Adriano Moreira.

E na Faculdade de Direito tive o privilégio de viver uma grande mudança a nível legislativo: o ministro do Ultramar de então, Prof. Adriano Moreira, tinha tido a coragem de abolir o «Estatuto do Indígena», pondo termo a uma situação absolutamente chocante e indigna de menoridade cívica inaceitável.
Mas África deve-lhe, ainda, para além de um afecto e atracção especial, a aprovação de um código de trabalho rural, realmente inovador na altura, assim como a criação das universidades de Luanda e Lourenço Marques, universidades que, como diz, citando o Padre Manuel Antunes, são um «passado com futuro».

Aliás, África e a Educação são traços dominantes no seu percurso como homem, político, pedagogo, académico e que constitui uma grande referência moral e cívica, por quem todos têm o maior respeito.

Interessante é referir algumas afinidades que nos ligam, como a sua profunda admiração pelo Padre Manuel Antunes, com quem o meu marido e eu mantivemos uma relação privilegiada de amizade, conselho e partilha, como uma noite de Natal inesquecível em família, ou, ainda, em momentos de maior tensão, após o 25 de Abril, na Presidência da República. Para nós, tal como para o Prof. Adriano Moreira, também o Padre Manuel Antunes é um dos maiores pensadores do nosso tempo.

Um outro aspecto que partilhamos com o Prof. Adriano Moreira e que eu e, sobretudo, o meu marido temos defendido e impulsionado é a participação activa da Sociedade Civil. Hoje, mais do que nunca, importa que a cidadania assuma a sua verdadeira natureza, papel e acção. E a cidadania consiste, antes de tudo, na participação activa e responsável nas diferentes organizações que constituem a Sociedade Civil, instituições autónomas, não dirigidas pelo Estado, mas antes por cidadãos que com o Estado devem manter uma relação harmoniosa de exigência e colaboração.

Só neste contexto, em cuja base estão as comunidades de origem e as associações autónomas, radica o verdadeiro pensamento democrático – a democracia participative – que, como pretende Touraine, é tendencialmente de libertação do homem e, ao mesmo tempo, aponta para uma certa igualdade, pois só os iguais podem fazer progredir, com fraternidade e solidariedade, a construção da vida colectiva, em comum, com distintiva singularidade.

Por último, uma lembrança pessoal comovente e, simultaneamente, marcante do seu carácter e generosidade. Por solidariedade, e enquanto esteve fora de Portugal, deixou que uma família ficasse na sua casa no Restelo. Quando voltou, as pessoas, egoisticamente, nunca mais saíam. Foi necessário intervir, com determinação e justiça, lembrando deveres e obrigações morais. A assinalar o retorno a casa e, especialmente, à sua biblioteca, e o regresso às suas funções universitárias, ofereceu-nos um jantar em família, que recorda no seu livro A Espuma do Tempo e que, ainda hoje, também nós lembramos, na gravura, muito bonita, que olhamos, com especial afecto, em nossa casa.

Presidente do Instituto de Apoio à Criança