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Joaquim Carreira das Neves

Esse é um Senhor

 

É muito comum, nas conversas com amigos sobre política cultural, educação universitária, estratégia democrática nacional e internacional, ouvir a resposta, quando se fala da pessoa do Professor Adriano Moreira: «Esse é um Senhor!» O «esse» configura a qualidade, a diferença, a exemplaridade – «esse» é diferente; não é igual aos outros. Estejamos com quem estivermos, no leque político da esquerda, centro e direita, ressoa sempre o eco do «Esse é um Senhor!»


Ao lermos as «Memórias» de Adriano Moreira (A Espuma do Tempo. Memórias do Tempo de Vésperas, Almedina, 2008), em narrativa aberta sobre a verdade familiar, a verdade política e cultural, nacional e internacional, a pessoa do narrador/autor surge como um mar, ora raivoso, ora calmo e sereno, como nuvem intempestiva, por um lado, radiante e luminosa, por outro, como navio capitaneado por navegador de humanos mares em demanda de terra firme, ordenada, justa, equitativa e livre.


E se a vida é uma metáfora, a de Adriano Moreira é a grande metáfora do «Esse Senhor!» que navegou por cima de todas as ondas do salazarismo e da II República, sempre igual em proactividade criadora, qual profeta de novos mundos no mundo moderno, movediço, dinâmico e irrequieto da existência. Nele, a liberdade, a justiça e a paz formam a trindade de quem não se deixa amordaçar pelos simplismos, fundamentalismos e populismos das aparências fátuas. Ao lê-lo e ouvi-lo, assoma sempre a âncora segura da «fé» no mar bravio da fragilidade.


Ler Adriano Moreira não é fácil. É mais fácil ouvi-lo em conversa anódina, factual ou cultural. Ouvi-lo é abrir uma enciclopédia. Lê-lo é respirar fundo nas profundezas do mar da existência – síntese do global no particular nacional.


Em Adriano Moreira conflui em cumplicidade amorosa a síntese do cognitivo e do volitivo, do «logos» e do «agapè» – a inteligência duma «sagesse» sem fim, o bemquerer de um mundo sempre outro e sempre melhor. Acresce ainda o facto de que o «Senhor» – e por isso mesmo – é também um gladiador que a si próprio se degladia entre a humana tristeza e a beleza duma transcendência sempre a alcançar. A Espuma do Tempo e o Tempo de Vésperas, em dores de parto, suspiram pelo nascimento de um outro mundo carregado de esperança sem fim. Não a esperança grega duma elpis de incerteza, mas a bíblica duma esperança messiânica sempre em tensão e dialéctica – O Reino de Deus e de César em abraço de paz.


Há um outro pronunciamento comum nos portugueses: se Salazar acreditasse em Adriano Moreira, tudo seria diferente. Mas a História é feita de tempos e contratempos – sempre dinâmica. Às tribos «primitivas» sucederam-se nações e estas tornaramse, já em tempos próximos, impérios (Assíria, Babilónia, Egipto, Pérsia, Grécia, Roma…) e, ainda mais próximo a nós, em Democracias e Repúblicas (também democracias monárquicas e teocráticas).


Em tempos de República e Democracia, Adriano Moreira continua a levantar, sacramentalmente, o dedo da sua mão direita para ensinar. E ensinar não é sentarse apenas na cátedra da Universidade, mas, sobretudo, na cátedra da democracia de deveres e direitos, entre grandes e pequenos, poderosos e humildes. O Professor não pertence à «espuma e memória» do «pretérito passado», mas às «vésperas» do presente continuado e profético – às «laudes» da aurora com a antífona: e depois não digam que não vos avisei!

Padre, Teólogo