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Ives Gandra da Silva Martins

Prever o Futuro

 

Um rápido depoimento sobre o Professor Adriano Moreira. Conheci-o em 1964, durante o 1.º Congresso das Comunidades Portuguesas, em Lisboa, no mês de Dezembro daquele ano.

O congresso foi fantástico. Participaram delegações de mais de uma trintena de países, inclusive do Brasil.

A fundação da União das Comunidades de Cultura Portuguesa e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa em Guimarães, com a presença de autoridades de muitos países, inclusive do Ministro da Presidência, saldada com salva de tiros, no cair da tarde, foi algo memorável. Lembro-me, ainda hoje, que o arcebispo primaz de Braga discursou sobre a saga portuguesa, à luz dos vitrais dos Jerónimos.

A idéia da fundação da União das Comunidades de Cultura Portuguesa – é a expressão que me parece mais adequada da epopéia dos portugueses e seus descendentes – teve intensa repercussão nas diversas entidades lusíadas espalhadas pelo mundo. Quando eu e meus companheiros voltamos ao Brasil, nas instituições de que participávamos, muitos aderiram, de imediato, aos entes jurídicos criados durante o Congresso, como ocorreu, por exemplo, com o Elos Clube do Brasil.

Em S. Paulo, principalmente, acentuou-se a idéia, lançada por Adriano Moreira, da formação de uma entidade agregadora das diversas instituições espalhadas pelo mundo com sede em Portugal. Foi, pois, enorme a repercussão, como o próprio Professor Adriano Moreira teve oportunidade de constatar, nas viagens que, nos anos seguintes, realizou ao Brasil.

A Academia Internacional, então criada, permanece até hoje como instituição cultural de repercussão transcendente, tendo inspirado a fundação da Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes, com sede em S. Paulo.

Estou convencido de que a idéia de integração das diversas comunidades portuguesas e seus descendentes espalhadas pelo mundo, se não tivesse sido abandonada em 1974, podia ter permitido a formação de um bloco supranacional tão forte como o da Comunidade Britânica, tese, aliás, que defendi, em 1980, em Lisboa, durante um outro Congresso das Comunidades, inspirado em Adriano Moreira e dirigido pela Secretária de Estado, Professora Maria Manuela Aguiar.

Quero, todavia, destacar, na personalidade de Adriano Moreira, aspecto que sempre me inspirou, em diversas obras (O Estado de Direito e o Direito do Estado – 1977; O Poder – 1986; A nova classe ociosa – 1987; Uma visão do mundo contemporâneo – 1996; A era das contradições – 2000 e A queda dos mitos económicos – 2004), ou seja, a sua percepção do mundo, com pertinente diagnóstico e propostas que, se adotadas, teriam força para transformá-lo num lugar melhor.

Um dos seus livros publicado no Brasil, “A comunidade internacional em mudança” (Ed. Resenha Universitária), no início da década de 70, projetou muitos dos problemas que a humanidade hoje enfrenta e de cuja solução longe estamos de visualizar.
Adriano, quase profeticamente, expôs o que necessariamente aconteceria no concerto das grandes nações e nas suas relações com os países emergentes, num mundo de extrema competitividade e de convivência obrigatória entre os mais variados regimes políticos, formações culturais e estágios de desenvolvimento social.

Vislumbrou, com clareza, a crise da virada do século e propugnou por um diálogo entre os povos, como forma de reposição da estabilidade e tolerância das maneiras de ser dos povos e das nações.

Lembro-me, em palestra, no Rio proferida, quando Adriano estava no Brasil, na década de 70, das referências que fiz ao ineditismo de sua obra e de sua visão prospectiva para uma comunidade que estava em mudança e continua, em ritmo acelerado, a mudar.

Adriano, de rigor, é como aqueles profetas bíblicos que prevêem o futuro e alertam sobre os obstáculos dos caminhos para torná-los menos para a humanidade. Só que as suas profecias são decorrentes do uso fantástico da razão, da lógica e da cultura enciclopédica. Por isso é tanto admirado em Portugal e fora de seu país.

Convenço-me, pois, que, das grandes expressões do mundo lusíada do século XX e do início do século XXI, pelo arrojo de suas idéias e pela visualização correta do futuro, o Professor Adriano Moreira pontifica como uma das mais elevadas expressões.

1) (In Adriano Moreira – Uma Intervenção Humanista, de José Filipe Pinto, Coimbra, Almedina, 2007)

Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFEO. Brasil.